compreendem que o inimigo em face, tomado individualmente, é um homem como eles, mas está a defender o lado injusto e deve ser aniquilado. A guerra revolucionária é nisso mais dura que as clássicas. outrora, o combatente estava convicto que o estrangeiro que defrontava era o somatório de todos os vícios, de todas as baixezas. Era fácil odiar pessoalente o soldado que avançava contra ele, não o inimigo em abstracto, mas aquele mesmo Franc, Schulz, Ahmed ou Ngonga que se metia à sua frente. Hoje, quem é o combatente consciente que nisso acredita? Só existe o ódio ao inimigo em abstracto, o ódio ao sistema que os indivíduos defendem. O soldado inimigo pode mesmo estar em contradição com a causa que é forçado a defender. O combatente revolucionário sabe disso; pode mesmo pensar que aquele inimigo é um bom camponês ou um são operário, útil e combativo noutras circunstâncias, mas que está aqui envenenado de preconceitos, supercondicionado pela classe dirigente para matar. O revolucionário tem de fazer um compromisso entre o ódio abstrto ao inimigo e a simpatia que o inimigo - indivíduo possa lhe inspirar.
Por isso esta guerra é mais dura, pois mais humana (e, portanto, mais desumana).
O dominador, o senhor, nunca procurará matar por matar, antes pelo contrário, evitará matar. Ele vê a guerra como o jogo ou o amor. E seu momento de perda de lucidez é quando o ódio abstracto se concretiza no indivíduo e avança, raivosamente lúcido, contra os soldados que procuram impedí-lo de avançar, não porque são inimigos, mas porque o impedem de avançar, são obstáculos que têm de ser afastados do caminho. Nesse momento, o equilíbrio está vencido e a necessidade psíquica - sentida fisiologicamente - de fazer a acção leva ao ódio frio e calculado, implacável. Um dominador com ódio não gesticula, não ofende; ele poupa o esforço, os gestos, o ódio; é a sua acção, mais que os símbolos, que exprime sua determinação.
Mayombe, Pepetela.
Mais uma tentativa de volta.
Há 10 anos